"Eu estava chegando em casa e meus  familiares assistiam ao filme Um homem chamado cavalo. Em uma  determinada cena, uma mulher idosa era jogada pra fora da tenda porque  não tinha nenhum guerreiro que fosse seu marido e ela não teria como  sobreviver só. Então, era atirada para a morte. Era a forma como aquela  sociedade descartava os indivíduos considerados inúteis, que não tinham  determinado papel dentro daquele grupo social. Começamos a discutir  sobre o absurdo daquela situação. Até que, em um momento de reflexão,  pensei: será que fazemos diferente?".
Foi a partir dessa reflexão que  Jaime Luiz Cunha de Souza, professor do Departamento de Sociologia,  resolveu investigar o tema da velhice. Seus estudos resultaram na  dissertação de mestrado. "Do exílio da sociedade à sociedade do asilo". O  trabalho consiste em uma análise da trajetória do idoso até o  isolamento.
"Quando chega um determinado  momento, o indivíduo vai perdendo seus papéis sociais e o trabalho não o  aceita mais. Se nessa esfera não é aceito, ele também começa a perder o  seu papel no âmbito familiar. O indivíduo começa a ser considerado  inútil, um incômodo. Então, ele vai ser descartado em algum lugar",  explica.
O pior é que essa realidade  chega cada vez mais cedo pra muita gente. A idade cronológica não é mais  considerada um referencial seguro porque as modificações no mundo do  trabalho e da tecnologia produzem uma série de exclusões que levam as  pessoas à condição de "velho" precocemente. Esse processo não leva em  consideração sua xperiência e, principalmente, que o envelhecimento é um  processo natural.
O momento em que Jaime se  interessou pela questão do idoso coincidiu com a época em que o asilo  Dom Macedo Costa começou a ser desativado. Ele resolveu, então, se  aproximar do local para analisar uma série de questões. "Queria saber  quem era aquele interno, porque ele estava lá. Era a única alternativa? A  única alternativa para ele ou para a família?" O processo de decadência  culminou com a transferência dos idosos para outras unidades de  atendimento.
O estudo aponta que a trajetória  até o asilo tem uma única causa: a rejeição. Essa rejeição tem várias  motivações: a falta de tempo, as condições da vida moderna. "Na verdade,  existe uma série de coisas que podem servir como tentativa de  justificativa. Mas o que acontece é um individualismo exacerbado,  prejudicando quem não representa mais o paradigma de indivíduo proposto  pela sociedade", diz o professor.
O abandono é uma queixa muito  freqüente nesses casos. Filhos e parentes deixam o idoso no asilo e  passam anos sem visitá-lo. O pesquisador lembra que um dos casos mais  marcantes foi o de uma senhora deixada no local pelo filho, com a  promessa de que ficaria lá por quinze dias. A justificativa era uma  reforma na casa da família, que poderia ser prejudicial à saúde da  idosa. Passaram-se nove anos até o dia da entrevista e ela ainda  aguardava o dia de voltar pra casa.
Muitas mulheres entrevistadas  nasceram no interior do Estado e se encaminharam para a capital em busca  de trabalho. Elas se empregaram como domésticas em residências de Belém  e ficaram a vida toda na casa de uma mesma família. Depois de ajudar na  criação de filhos e netos, chegou a velhice e, então, essas pessoas não  tinham mais condições de arcar com os afazeres domésticos, sendo  encaminhadas para o asilo. A essa altura é muito comum que elas não  mantenham seus laços familiares originais.
"A sociedade esconde o idoso  porque na verdade não consegue se ver no idoso. É como se ela estivesse  rejeitando aquilo que ela é. Ele representa uma parte dela não aceita. E  o pior é que muitas vezes isso envolve agressão. O Instituto Brasileiro  de Ciências Criminais fez um estudo sobre a violência e viu que cerca  de 650 mil idosos são agredidos a cada ano", avalia o pesquisador.
Segundo Jaime, apesar de seu  papel desconstrutor, o asilo faz emergir a possibilidade de reconstrução  de um novo mundo social para o idoso. Porém, isso acontece em uma  dimensão mais restrita. "Eles encontram formas de se relacionar, de ter  amizades, namoros, como inimizades também. Não podemos dizer que eles  têm uma vida social comum porque é como se vivessem num mundo paralelo.  Você tem uma vida, mas não é a que tinha antes. Por isso escolhi esse  título para a dissertação. É como se eles fossem exilados para um outro  local, de costumes estranhos, pessoas estranhas... Então, precisam se  readaptar", conclui.
Segundo o último levantamento do  Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), hoje são mais  de 14,5 milhões de brasileiros com mais de 60 anos. Daqui a 25 anos,  esse número deve dobrar. Serão cerca de 30 milhões de idosos vivendo no  Brasil, quase a população atual do Estado de São Paulo. O envelhecimento  da população brasileira em ritmo acelerado torna a questão dos idosos  asilados ainda mais contraditória.
Asilo escondia idosos abandonados na periferia da cidade
O asilo Dom Macedo Costa  funcionou do início do século XX ao início do século XXI. Segundo Jaime,  foi construído justamente para retirar da visibilidade da sociedade  aquelas pessoas ou grupos de indivíduos que não combinavam com a  estética de uma cidade que estava se desenvolvendo com as riquezas  advindas do Ciclo da Borracha. O asilo surgiu na administração Antônio  Lemos. "Ele faz uma reformulação estética na cidade e nessa reformulação  estética não cabia o idoso, o mendigo, o miserável de um modo geral",  explica o pesquisador.
Inicialmente eram colocados no  local os miseráveis de um modo geral, os pobres, independente da idade.  "Um detalhe marcante é que o prédio do asilo ficava em um dos locais  mais afastados da cidade, a saída da cidade, um lugar ermo. Os mendigos,  os idosos abandonados representavam a periferia social. Eles eram  descartados para a periferia geográfica", conclui.
 Tatiana Ferreira 
 
 
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