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segunda-feira, 19 de março de 2012

Estudo avalia trajetória do idoso até o asilo

"Eu estava chegando em casa e meus familiares assistiam ao filme Um homem chamado cavalo. Em uma determinada cena, uma mulher idosa era jogada pra fora da tenda porque não tinha nenhum guerreiro que fosse seu marido e ela não teria como sobreviver só. Então, era atirada para a morte. Era a forma como aquela sociedade descartava os indivíduos considerados inúteis, que não tinham determinado papel dentro daquele grupo social. Começamos a discutir sobre o absurdo daquela situação. Até que, em um momento de reflexão, pensei: será que fazemos diferente?".

Foi a partir dessa reflexão que Jaime Luiz Cunha de Souza, professor do Departamento de Sociologia, resolveu investigar o tema da velhice. Seus estudos resultaram na dissertação de mestrado. "Do exílio da sociedade à sociedade do asilo". O trabalho consiste em uma análise da trajetória do idoso até o isolamento.

"Quando chega um determinado momento, o indivíduo vai perdendo seus papéis sociais e o trabalho não o aceita mais. Se nessa esfera não é aceito, ele também começa a perder o seu papel no âmbito familiar. O indivíduo começa a ser considerado inútil, um incômodo. Então, ele vai ser descartado em algum lugar", explica.

O pior é que essa realidade chega cada vez mais cedo pra muita gente. A idade cronológica não é mais considerada um referencial seguro porque as modificações no mundo do trabalho e da tecnologia produzem uma série de exclusões que levam as pessoas à condição de "velho" precocemente. Esse processo não leva em consideração sua xperiência e, principalmente, que o envelhecimento é um processo natural.

O momento em que Jaime se interessou pela questão do idoso coincidiu com a época em que o asilo Dom Macedo Costa começou a ser desativado. Ele resolveu, então, se aproximar do local para analisar uma série de questões. "Queria saber quem era aquele interno, porque ele estava lá. Era a única alternativa? A única alternativa para ele ou para a família?" O processo de decadência culminou com a transferência dos idosos para outras unidades de atendimento.

O estudo aponta que a trajetória até o asilo tem uma única causa: a rejeição. Essa rejeição tem várias motivações: a falta de tempo, as condições da vida moderna. "Na verdade, existe uma série de coisas que podem servir como tentativa de justificativa. Mas o que acontece é um individualismo exacerbado, prejudicando quem não representa mais o paradigma de indivíduo proposto pela sociedade", diz o professor.

O abandono é uma queixa muito freqüente nesses casos. Filhos e parentes deixam o idoso no asilo e passam anos sem visitá-lo. O pesquisador lembra que um dos casos mais marcantes foi o de uma senhora deixada no local pelo filho, com a promessa de que ficaria lá por quinze dias. A justificativa era uma reforma na casa da família, que poderia ser prejudicial à saúde da idosa. Passaram-se nove anos até o dia da entrevista e ela ainda aguardava o dia de voltar pra casa.

Muitas mulheres entrevistadas nasceram no interior do Estado e se encaminharam para a capital em busca de trabalho. Elas se empregaram como domésticas em residências de Belém e ficaram a vida toda na casa de uma mesma família. Depois de ajudar na criação de filhos e netos, chegou a velhice e, então, essas pessoas não tinham mais condições de arcar com os afazeres domésticos, sendo encaminhadas para o asilo. A essa altura é muito comum que elas não mantenham seus laços familiares originais.

"A sociedade esconde o idoso porque na verdade não consegue se ver no idoso. É como se ela estivesse rejeitando aquilo que ela é. Ele representa uma parte dela não aceita. E o pior é que muitas vezes isso envolve agressão. O Instituto Brasileiro de Ciências Criminais fez um estudo sobre a violência e viu que cerca de 650 mil idosos são agredidos a cada ano", avalia o pesquisador.

Segundo Jaime, apesar de seu papel desconstrutor, o asilo faz emergir a possibilidade de reconstrução de um novo mundo social para o idoso. Porém, isso acontece em uma dimensão mais restrita. "Eles encontram formas de se relacionar, de ter amizades, namoros, como inimizades também. Não podemos dizer que eles têm uma vida social comum porque é como se vivessem num mundo paralelo. Você tem uma vida, mas não é a que tinha antes. Por isso escolhi esse título para a dissertação. É como se eles fossem exilados para um outro local, de costumes estranhos, pessoas estranhas... Então, precisam se readaptar", conclui.

Segundo o último levantamento do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), hoje são mais de 14,5 milhões de brasileiros com mais de 60 anos. Daqui a 25 anos, esse número deve dobrar. Serão cerca de 30 milhões de idosos vivendo no Brasil, quase a população atual do Estado de São Paulo. O envelhecimento da população brasileira em ritmo acelerado torna a questão dos idosos asilados ainda mais contraditória.

Asilo escondia idosos abandonados na periferia da cidade

O asilo Dom Macedo Costa funcionou do início do século XX ao início do século XXI. Segundo Jaime, foi construído justamente para retirar da visibilidade da sociedade aquelas pessoas ou grupos de indivíduos que não combinavam com a estética de uma cidade que estava se desenvolvendo com as riquezas advindas do Ciclo da Borracha. O asilo surgiu na administração Antônio Lemos. "Ele faz uma reformulação estética na cidade e nessa reformulação estética não cabia o idoso, o mendigo, o miserável de um modo geral", explica o pesquisador.

Inicialmente eram colocados no local os miseráveis de um modo geral, os pobres, independente da idade. "Um detalhe marcante é que o prédio do asilo ficava em um dos locais mais afastados da cidade, a saída da cidade, um lugar ermo. Os mendigos, os idosos abandonados representavam a periferia social. Eles eram descartados para a periferia geográfica", conclui.

 Tatiana Ferreira

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