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domingo, 15 de setembro de 2013

Manoel de Barros

Manoel Wenceslau Leite de Barros (Cuiabá MT, 1916). Publicou seu primeiro livro
de poesia, Poemas Concebidos Sem Pecado, em 1937. Formou-se bacharel em Direito no Rio de Janeiro RJ, em 1941. Nas décadas seguintes publicou Face Imóvel (1942), Poesias (1946), Compêndio para Uso dos Pássaros (1961), Gramática Expositiva do Chão (1969), Matéria de Poesia (1974), O Guardador de Águas (1989), Retrato do Artista Quando Coisa (1998), O Fazedor de Amanhecer (2001), entre outros. A partir de 1960 passou trabalhar como fazendeiro e criador de gado em Campo Grande MS. Ao longo das décadas de 1980 e 1990 veio sua consagração como poeta. Em 1990 recebeu o Grande
Prêmio da Crítica/Literatura, concedido pela Associação Paulista de Críticos de Arte e o Prêmio Jabuti de Poesia, pelo livro O Guardador de Águas, concedido pela Câmara Brasileira do Livro. Manoel de Barros é um dos principais poetas contemporâneos do Brasil. Em sua obra, segundo a crítica Berta Waldman, "a eleição da pobreza, dos objetos que não têm valor de troca, dos homens desligados da produção (loucos, andarilhos, vagabundos, idiotas de estrada), formam um conjunto residual que é a sobra da sociedade capitalista; o que ela põe de lado, o poeta incorpora, trocando os sinais".


NASCIMENTO

1916 - Cuiabá MT - 19 de dezembro

LOCAIS DE VIDA/VIAGENS

1918 - Corumbá MS
1924/1928c. - Campo Grande MS
1929c./1960c. - Rio de Janeiro RJ
1940c. - Nova York (EUA), Bolívia, Peru, Equador
1945c. - Portugal, Itália e França - Viagem
1960/1993 - Campo Grande MS

VIDA FAMILIAR


Filiação: João Wenceslau Leite de Barros e Alice Pompeu de Barros
1947 - Rio de Janeiro RJ - Casamento com Stella Leite de Barros. Três filhos e sete netos
1949 - Corumbá MS - Morte do pai

FORMAÇÃO

1924/1926 - Campo Grande MS - Curso primário em internato no Colégio Pestalozzi e Colégio Lafayette (internatos)
1929/1934 - Rio de Janeiro RJ - Curso ginasial no Colégio São José, dos padres maristas (internato)
1941 - Rio de Janeiro RJ - Bacharel em Direito

CONTATOS/INFLUÊNCIAS

Influência da poesia de Oswald de Andrade, Rimbaud e de toda a obra do Padre Antonio Vieira, Borges, Guimarães Rosa, Quevedo e Strindberg

ATIVIDADES LITERÁRIAS/CULTURAIS

1937 - Publicação de Poemas Concebidos Sem Pecado, primeiro livro de poesia
1993 - Campo Grande MS - Redação de "um livro de inexplicáveis prosas". Título provável: No Sertão, No Pantanal: Conversamentos com J. Guimarães Rosa
1999 - São Paulo SP - Publicação do livro infanto-juvenil Exercícios de Ser Criança (Ed. Salamandra)

ATIVIDADES SOCIOPOLÍTICAS

1935/19376 - Rio de Janeiro RJ - Membro da Juventude Comunista

OUTRAS ATIVIDADES














1960 - Campo Grande MS - Fazendeiro, criador de gado

HOMENAGENS/TÍTULOS/PRÊMIOS

1940 - Rio de Janeiro RJ - Prêmio Orlando Dantas concedido pela Academia Brasileira de Letras
1969 - Brasília DF - Prêmio da Fundação Cultural do Distrito Federal
1990 - São Paulo SP - Grande Prêmio da Crítica/Literatura, concedido pela Associação Paulista de Críticos de Arte; Prêmio Jabuti de Poesia, pelo livro O Guardador de Águas, concedido pela Câmara Brasileira do Livro
1997 - Prêmio Nestlé de Literatura/Poesia/Autor Consagrado, pelo Livro sobre Nada 

VERSÕES/ADAPTAÇÕES

1989c. - Filme O Inviável Anonimato do Caramujo Flor, de Joel Pizzini, sobre o poeta

MOVIMENTOS LITERÁRIOS

1930/1945 - Modernismo (Segunda Geração).
Atualmente mora em Campo Grande, Mato Grosso do Sul.





Retrato Quase Apagado em que se Pode Ver Perfeitamente Nada
de "O Guardador de Águas" 

I

Não tenho bens de acontecimentos.
O que não sei fazer desconto nas palavras.
Entesouro frases. Por exemplo:
- Imagens são palavras que nos faltaram.
- Poesia é a ocupação da palavra pela Imagem.
- Poesia é a ocupação da Imagem pelo Ser.
Ai frases de pensar!
Pensar é uma pedreira. Estou sendo.
Me acho em petição de lata (frase encontrada no lixo)
Concluindo: há pessoas que se compõem de atos, ruídos, retratos.
Outras de palavras.
Poetas e tontos se compõem com palavras.

II
Todos os caminhos - nenhum caminho
Muitos caminhos - nenhum caminho
Nenhum caminho - a maldição dos poetas.

III
Chove torto no vão das árvores.
Chove nos pássaros e nas pedras.
O rio ficou de pé e me olha pelos vidros.
Alcanço com as mãos o cheiro dos telhados.
Crianças fugindo das águas
Se esconderam na casa.

Baratas passeiam nas formas de bolo...

A casa tem um dono em letras.

Agora ele está pensando -

no silêncio Iíquido
com que as águas escurecem as pedras...

Um tordo avisou que é março.

IV
Alfama é uma palavra escura e de olhos baixos.
Ela pode ser o germe de uma apagada existência.
Só trolhas e andarilhos poderão achá-la.
Palavras têm espessuras várias: vou-lhes ao nu, ao
fóssil, ao ouro que trazem da boca do chão.
Andei nas pedras negras de Alfama.
Errante e preso por uma fonte recôndita.
Sob aqueles sobrados sujos vi os arcanos com flor!

V
Escrever nem uma coisa Nem outra -
A fim de dizer todas
Ou, pelo menos, nenhumas.
Assim,
Ao poeta faz bem
Desexplicar -
Tanto quanto escurecer acende os vaga-lumes.

VI
No que o homem se torne coisal,
corrompem-se nele os veios comuns do entendimento.
Um subtexto se aloja.
Instala-se uma agramaticalidade quase insana, 
que empoema o sentido das palavras.
Aflora uma linguagem de defloramentos, um inauguramento de falas
Coisa tão velha como andar a pé
Esses vareios do dizer.

VII
O sentido normal das palavras não faz bem ao poema.
Há que se dar um gosto incasto aos termos.
Haver com eles um relacionamento voluptuoso.
Talvez corrompê-los até a quimera.
Escurecer as relações entre os termos em vez de aclará-los.
Não existir mais rei nem regências.
Uma certa luxúria com a liberdade convém.

VII
Nas Metamorfoses, em 240 fábulas,
Ovídio mostra seres humanos transformados 
em pedras vegetais bichos coisas
Um novo estágio seria que os entes já transformados
falassem um dialeto coisal, larval,
pedral, etc.
Nasceria uma linguagem madruguenta, adâmica, edênica, inaugural
- Que os poetas aprenderiam -
desde que voltassem às crianças que foram
às rãs que foram
às pedras que foram.
Para voltar à infância, os poetas precisariam também de reaprender a errar
a língua.
Mas esse é um convite à ignorância? A enfiar o idioma nos mosquitos?
Seria uma demência peregrina.

IX
Eu sou o medo da lucidez
Choveu na palavra onde eu estava.
Eu via a natureza como quem a veste.
Eu me fechava com espumas.
Formigas vesúvias dormiam por baixo de trampas.
Peguei umas idéias com as mãos - como a peixes.
Nem era muito que eu me arrumasse por versos.
Aquele arame do horizonte
Que separava o morro do céu estava rubro.
Um rengo estacionou entre duas frases.
Uma descor
Quase uma ilação do branco.
Tinha um palor atormentado a hora.
O pato dejetava liquidamente ali.